Apesar das promessas de segurança, novos dados mostram que, quando os mercenários do Grupo Wagner entram num país, a violência acompanha-os.
As mortes de civis estão a aumentar na República Centro-Africana (RCA), onde o grupo opera desde 2018, e no Mali, onde opera desde o final de 2021.
Na RCA, 40% de todos os eventos categorizados como “violência política,” entre Dezembro de 2020 e Julho de 2022, envolveram o Grupo Wagner, de acordo com o Projecto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Evento (ACLED). Desde Dezembro de 2020, o grupo esteve envolvido em 180 eventos que visaram civis, estando implicado em desaparecimentos forçados, violações e execuções extrajudiciais.
O grupo foi contratado para fornecer formação para operações de combate contra os rebeldes na RCA.
“Em vez de erradicarem os grupos armados, os contratados estão a cometer abusos que impulsionam cada vez mais a violência nas províncias e alimentam a guerra de guerrilha contra as tropas governamentais por parte dos rebeldes espalhados pelo mato,” escreveu Pauline Bax, programadora-adjunta para África, no Grupo Internacional de Crise.
No Mali, o grupo teve como alvo civis durante ataques nas regiões de Mopti, Koulikoro, Segou e Tombuctu, onde o famoso grupo terrorista Jama’at Nusrat al-Islam wal-Muslimin (JNIM) opera. Centenas de civis morreram nesses ataques, que incluíram o massacre de mais de 500 civis em Moura, na região de Mopti, em Março de 2022.
Há provas credíveis de que o massacre de Moura foi cometido pelo Grupo Wagner ao lado das forças malianas, segundo Yvan Guichaoua, especialista em assuntos da região do Sahel, na Escola de Estudos Internacionais de Bruxelas, da Universidade de Kent.
“Isso é absolutamente chocante e horrível,” disse Guichaoua ao jornal The Globe and Mail. “Isso está a acontecer semanalmente: alegações de assassinatos pelo exército do Mali e pelo Grupo Wagner, e a rejeição sistemática de tais relatos pelas autoridades.”
No total, 71% do envolvimento do Grupo Wagner na violência política no Mali assumiu a forma de ataques contra civis, segundo o ACLED.
No Sudão, onde não há fim à vista para os combates entre as Forças Armadas do Sudão (SAF), controladas pelo General Abdel Fattah al-Burhan, e as Forças de Apoio Rápido (RSF), lideradas pelo General Mohamed Hamdan Dagalo, ou Hemedti, o Grupo Wagner parece ter escolhido um lado.
Muitas das minas de ouro do país são exploradas com o apoio de Hemedti em territórios que ele e a sua família controlam. Em troca de uma parceria nesta empreitada, o Grupo Wagner é suspeito de ter fornecido a Hemedti e às RSF mísseis terra-ar e outras armas para a sua luta contra as SAF.
No Sudão, o grupo tem “como principal objectivo criar uma rota de contrabando de ouro do Sudão para o Dubai e depois para a Rússia, para que possam financiar as operações do Grupo Wagner na Ucrânia,” Samuel Ramadi, autor do livro “Rússia em África,” disse à Al-Jazeera.
Durante o governo da junta liderada por al-Burhan e Hemedti, o Grupo Wagner contrabandeou cerca de 32,7 toneladas métricas de ouro no valor de quase 1,9 bilhões de dólares para fora do país, entre Fevereiro de 2022 e Fevereiro de 2023. Este valor é aproximadamente igual às 34,5 toneladas métricas — no valor de pouco mais de 2 bilhões de dólares — que o Sudão exportou de operações mineiras legítimas em 2022, de acordo com o banco central do Sudão.
Os analistas afirmam que a presença do Grupo Wagner tem dinamizado os grupos extremistas onde quer que operem na região do Sahel.
“Isso deu ao Estado Islâmico e às filiais da al-Qaeda maior
e espaço para operar,” Colin Clarke, director de investigação do Grupo Soufan, escreveu na revista Foreign Policy.
As actividades do grupo em África também têm como objectivo espalhar a influência do Kremlin e promover os seus interesses comerciais, ao mesmo tempo que criticam as nações ocidentais através de intensas campanhas de desinformação utilizando bots, trolls e outras ferramentas das redes sociais.
Julian Rademeyer, analista da Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional (GI-TOC), caracterizou o Grupo Wagner como uma “influência maligna” no continente.
Ao longo do tempo, o grupo passou de uma entidade contratante privada puramente militar “para uma multiplicidade de alianças e relações comerciais e uma rede de empresas, algumas delas de fachada, nos países em que operam no continente africano,” disse Rademeyer à Deutsche Welle. “Opera nesta zona cinzenta legal entre actividades ilícitas e actividades ilícitas mais legais. E atravessou-as de forma muito, muito eficaz.”