O Vice-Almirante Awal Zubairu Gambo serviu na Marinha da Nigéria por mais de 30 anos. A sua carreira inclui tempo de trabalho em estratégia naval, inteligência, formação e como adido de defesa. Em 2017, foi o coordenador de segurança do Comité de Ajuda Presidencial no nordeste da Nigéria e chefe do Estado-Maior do Quartel-General do Comando de Formação Naval. Em 2018, foi nomeado director de aquisições da Administração Espacial da Defesa. Em Janeiro de 2021, tornou-se o 21º chefe do Estado-Maior da Marinha. Esta entrevista foi editada por questões de espaço e clareza.
ADF: Em 2021, os incidentes de pirataria nas águas nigerianas baixaram para os seus níveis mais baixos em 27 anos. Como é que explica esta redução?
Gambo: É bem sabido que o domínio marítimo do país está repleto de elementos criminosos e sabotadores económicos que tinham a liberdade de movimento e de acção. Esta liberdade impedia a realização de actividades económicas legítimas que, claro, causaram uma percepção negativa do país. De acordo com o Gabinete Marítimo Internacional, houve 135 casos de rapto registados em 2020 a nível mundial e 130 destes ocorreram no Golfo da Guiné. Tornou-se urgente que a Marinha da Nigéria tomasse medidas drásticas para inverter esta tendência desagradável. A primeira linha de acção para mim foi fortalecer a presença da Marinha da Nigéria para dominar o espaço, através de patrulhas agressivas, para impedir que estes sabotadores económicos tenham liberdade de acção. Assim, no ano passado, os navios da Marinha da Nigéria estiveram no mar durante 32.665 horas em comparação com as 25.932 horas registadas em 2020. Isso eventualmente resultou num declínio significativo de actividades criminosas no domínio marítimo do país. Eu diria que isso deve-se amplamente ao apoio fora do comum do comandante-em-chefe das Forças Armadas da República Federal, o Presidente Muhammadu Buhari. Através da recapitalização agressiva da Marinha, acrescentamos mais de 100 plataformas, incluindo navios capitais de bandeira, barcos de patrulha rápidos, embarcações de patrulha da costa e activos aéreos. Houve também a construção local de barcos de defesa para o litoral.
ADF: Como pensa em prevenir o ressurgimento da pirataria?
Gambo: Claro, para manter a pirataria nestes níveis baixos, a Marinha deve manter uma frota operacional e eficiente, com apoio logístico robusto. Isso inclui a reabilitação das instalações na doca Naval Dockyard Limited, em Lagos, o Estaleiro Naval de Port Harcourt, bem como os grupos de manutenção de frotas e as unidades de apoio das frotas e ainda o colégio de engenharia do Estado de Delta. Para além disso, a Marinha modernizou a escola de aprendizagem do Estaleiro Naval de Lagos para possibilitar que a Marinha satisfaça mais as suas necessidades de quadros técnicos e as necessidades de indústria marítima que se encontram altamente reduzidos. Por último, não me devo esquecer de destacar as contribuições dos oficiais e marinheiros enviados em vários navios e bases costeiras. Eles beneficiam de formação profissional em várias especializações e existem vários esforços para melhorar as condições de vida e melhorar as infra-estruturas nas nossas bases, escolas e hospitais. O pessoal demonstrou foco renovado em linha com o meu mantra: “Essa é a nossa Marinha.” Isso significa que temos de fazê-lo. Ninguém o fará por nós. Por isso, todos estão empenhados.
ADF: A Nigéria procurou melhorar a sua conscientização do domínio marítimo (MDA), através do sistema de vigilância e inteligência ‘Olho de Falcão’. Este sistema inclui radares, câmaras, sensores e monitoria via satélite da linha da costa do país e até 200 milhas náuticas para o mar. Pode explicar como o sistema funciona?
Gambo: Eu diria que ‘Olho de Falcão’ é uma infra-estrutura MDA de vigilância de última geração. O sistema possui locais com sensores estrategicamente colocados para cobrir as águas territoriais do nosso país e a nossa zona económica exclusiva. Estes sensores cobrem todos os limites fronteiriços marítimos do país e abrangem ainda mais os limites marítimos dos nossos países vizinhos no Golfo da Guiné. O sistema ‘Olho de Falcão’ possibilita que a Marinha possa fazer a monitoria de actividades das embarcações em tempo real dentro e ao redor do domínio marítimo do país. Sempre faz o rastreio contínuo de embarcações para identificar aquelas que estejam envolvidas em actividades ilegais e, de seguida, as nossas embarcações navais são accionadas para levar a cabo operações de interdição. Entre Junho de 2020 e Abril de 2022, cerca de 7.826 embarcações foram rastreadas, com algumas sendo apreendidas, utilizando o sistema MDA. O sistema foi fundamental para a apreensão de dois navios mercantes. Temos o MV Chayanee Naree e o MV Karteria. Estas embarcações foram rastreadas e foi feita uma monitoria de forma diligente a partir dos seus portos de partida no Brasil depois de recebermos relatórios da Interpol, afirmando que elas estavam envolvidas no contrabando de cocaína para a Nigéria. Também houve apreensão do petroleiro do Motor Queen of Peace, no dia 15 de Março de 2022, que transportava mais de 3 milhões de litros de petróleo bruto roubado da Nigéria. É pertinente afirmar que antes da apreensão, os movimentos suspeitos da embarcação foram alvo de monitoria pelo ‘Olho de Falcão’ durante um mês. Por isso, este sistema serve como uma verdadeira força multiplicadora, que garante que as nossas patrulhas operacionais sejam guiadas pela inteligência, orientadas para os resultados e económicas.
ADF: Na África Ocidental, a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN) lesa a região em 2,3 bilhões de dólares por ano e contribuiu para a perda de 300.000 postos de trabalho. A maior parte desta pesca INN é feita por enormes arrastões estrangeiros. Qual é a sua estratégia para acabar com esta actividade perigosa?
Gambo: A Marinha da Nigéria colabora com as agências governamentais relevantes para prestar assistência na fiscalização das leis relacionadas com as pescas no ambiente marítimo do país, particularmente o Departamento das Pescas, do Ministério da Agricultura. A Marinha criou uma força-tarefa, em 2016, designada ‘Operação Tsare Teku,’ com o mandato de combater os crimes marítimos, para criar um ambiente propício para a navegação, produção de petróleo, gás e outras actividades económicas de forma segura. A força-tarefa também lida com a pesca INN dentro do ambiente marítimo da Nigéria. A Nigéria possui uma das melhores pescas de camarão do mundo, que se encontra na região da Península de Bakassi, partilhada entre nós e a República dos Camarões. Agrada-me afirmar que as embarcações da Marinha da Nigéria interrogam os arrastões de pesca dentro do domínio marítimo, independentemente do tamanho, para garantir que sejam legítimos. A maior parte das embarcações criminosas vem com transportadores de peixe que, dentro das horas de pesca, tudo é processado e empacotado para venda fora do nosso território. Por isso, esta é uma problemática global muito séria. Eu não quero mencionar os grandes actores desta pesca INN, mas tenho a certeza que conhecemos. Por razões diplomáticas, não irei mencionar qualquer país em específico.
ADF: A Nigéria modernizou o seu quadro jurídico marítimo com a Lei de Supressão da Pirataria e Outros Crimes Marítimos, em 2019. Desde essa altura, a lei foi utilizada para condenar piratas capturados nas águas nigerianas. Qual é a importância da actualização das leis e será que espera que outros países da África Ocidental sigam este exemplo?
Gambo: O quadro jurídico é fundamental para o combate bem-sucedido da criminalidade marítima. O processamento judicial de crimes marítimos envolve várias agências de aplicação da lei. Estas agências têm várias normas que orientam as suas respectivas condutas de operações. Esta lacuna foi identificada, assim como foi a necessidade de rever, voltar a traçar estratégias e desenvolver um documento unificador. Consequentemente, a promulgação da Lei de Supressão da Pirataria e Outros Crimes Marítimos, a qual chamamos SPOMO, fortaleceu a colaboração da Marinha com outras agências de fiscalização da lei para criminalizar e processar judicialmente os infractores marítimos. Também ajudou a dinamizar e harmonizar as acções e os procedimentos de agências relacionadas com área marítima em relação ao processamento de provas e suspeitas de crimes. Uma condenação de destaque foi o caso de pirataria em Julho último [2021], em que 10 piratas foram sentenciados a 12 anos de prisão e multas financeiras. Contudo, a maior parte dos países do Golfo da Guiné não possui leis para processar judicialmente os piratas, enquanto alguns apenas permitem que os seus próprios cidadãos sejam processados judicialmente. Em Julho de 2021, estive em Gana para um exposição marítima internacional e seminário. Numa conversa com os chefes das marinhas da CEDEAO [Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental] e da CEEAC [Comunidade Económica dos Estados da África Central], eu apresentei o modelo e eles já o reformularam, adaptando-o para as particularidades dos seus ambientes para a sua posterior adopção. A União Europeia visitou o Quartel-General da Marinha há algumas semanas, e nós apresentamos isso a eles como parte das suas indagações. Eles levaram este modelo com vista a desenvolver uma estrutura jurídica em linha com as suas próprias particularidades na Europa. Falta um quadro jurídico em alguns países do Golfo da Guiné para lidar com a insegurança marítima, especialmente quando cidadãos de outras nacionalidades estão envolvidos nesses crimes. Para o efeito, nós defendemos a advocacia relacionada com a necessidade de os Estados do Golfo da Guiné adoptarem estas leis, em linha com as realidades da sua situação.
ADF: O senhor enfatizou a importância do comportamento ético na Marinha. Num discurso em 2022, o senhor alertou os comandantes para tomarem medidas severas em caso de violações. Desde que se tornou chefe do Estado-Maior da Marinha, o que fez para promover a responsabilização e acabar com a má conduta na Marinha?
Gambo: A importância do comportamento ético e responsabilização na Marinha não tem comparação. Os meus comandantes receberam ordens para conhecerem as minhas directivas estratégicas e outros estatutos relevantes da Marinha, que orientam as suas responsabilidades. Os comandantes foram alertados de sanções por actos de indisciplina ou conivência com elementos criminosos no desempenho das suas funções. Nesta conformidade, eles são avaliados periodicamente e recebem indicadores de desempenho fundamentais para determinar a eficiência e a eficácia. Existem também estratégias em vigor para o uso judicioso e legítimo de recursos alocados. Estes e outros esforços culminaram com a redução significativa da criminalidade no domínio marítimo do país. Eu diria que todos estão alinhados e conhecem as expectativas da liderança da Marinha e, a um maior nível estratégico, da liderança do país.
ADF: Quais são as suas perspectivas e objectivos para o futuro da Marinha da Nigéria e da segurança marítima na região em termos gerais?
Gambo: A Marinha da Nigéria é constitucionalmente encarregue da responsabilidade de proteger a integridade territorial do país no mar. A minha agenda para garantir a segurança deste domínio marítimo está reflectida na minha declaração de visão, que é “tirar proveito de todos os factores da localização nacional, tecnologia, formação, trabalho de equipa e sinergias para dar uma nova energia à Marinha de modo a melhorá-la como uma força naval motivada e pronta.” O foco é manter a presença da Marinha no mar e melhorar a nossa capacidade de levar a cabo patrulhas não dispendiosas e orientadas para os resultados, tirando vantagens do potencial das instalações MDA. Queremos cultivar um envolvimento robusto e colaborativo, dentro e fora, com os actores marítimos. Estas medidas irão fortalecer os esforços na actualização das aplicações da segurança marítima para as actividades socioeconómicas, o bem-estar dos nigerianos e da prosperidade nacional.