Estudos Sugerem que África Subnotifica as Mortes pela COVID-19

EQUIPA DA ADF

Desde o seu começo no início do ano passado, a pandemia da COVID-19 ceifou mais de 215.000 vidas em África, de acordo com os totais oficiais. Contudo, estudos recentes de mortes relacionadas com a pandemia no continente sugerem que a verdadeira mortalidade é muito mais elevada.

Os famosos estudos mortes em excesso comparam o actual número de óbitos à norma histórica num dado local.

“É uma das coisas que nos pode dar uma indicação no terreno sobre o que está a acontecer,” demógrafo Tom Moultrie, da Universidade da Cidade do Cabo, disse à ADF.

Contudo, os números de mortes em excesso dependem da recolha de dados precisos sobre os nascimentos e as mortes, algo que muitos países têm dificuldades de fazer bem.

A maior parte dos países africanos têm o registo de óbitos como um requisito, mas apenas oito exigem o cumprimento desta norma, de acordo com uma pesquisa de 39 países africanos feita pela Comissão Económica das Nações Unidas para a África. Apenas quatro destes países satisfazem os padrões internacionais.

Na Nigéria, por exemplo, apenas cerca de 10% dos óbitos são registados, de acordo com um estudo de 2020. Um estudo diferente no Sudão concluiu que mais de 16.000 pessoas em Cartum morreram de COVID-19 entre Abril e Setembro de 2020, um período em que os registos oficiais indicaram menos de 500 óbitos devido à pandemia.

África do Sul tem vindo a recolher dados de óbitos desde 2000, dando a indicação de possuir os sistemas de estatísticas vitais mais confiáveis do continente. Utilizando estes dados, o Conselho de Pesquisa Médica da África do Sul (SAMRC, na sigla inglesa) estima que aquele país tenha experimentado cerca de 265.000 mortes em excesso desde Dezembro de 2019.

A contagem alinha-se com as vagas de infecção que atingiram o pico em Julho de 2020, Dezembro de 2020 e Julho de 2021. Cerca de 85% a 95% destes óbitos estão directamente ligados com a COVID-19.

A estimativa do SAMRC é três vezes maior do que a contagem oficial de óbitos do país, de 88.600. Moultrie disse que a contagem centra-se nos doentes de COVID-19 que perderam a vida no hospital, mas muito pouco para rastrear aqueles que morreram em outros lugares.

A base de dados mundial sobre a mortalidade, World Mortality Dataset, que faz a compilação da contagem de óbitos de todos os tipos de 103 países, indica que as mortes em excesso pela COVID-19 a nível global são 1,4 vezes superiores em relação às contagens oficiais.

Os criadores observam que o número de óbitos pela COVID-19 provavelmente seja muito mais elevado, mas faltam dados de 100 países, incluindo aproximadamente todo o continente africano. A base de dados inclui três países africanos, nomeadamente Egipto, África do Sul e Tunísia.

Utilizando as estimativas da base de dados, a real taxa de mortalidade pela COVID-19 pode ser mais de 300.000. Utilizando a experiência da África do Sul como referência, o total pode estar muito próximo de 645.000.

“Existem provas muito limitadas para sugerir que África esteja a sair desta situação ilesa tal como muitas pessoas sugeriram,” disse Moultrie.

Sem estatísticas vitais confiáveis, os demógrafos e os especialistas em matéria de saúde pública estão a utilizar outros métodos para lidar com a escala das reais mortes por COVID-19 em África.

No Zimbabwe e na Namíbia, por exemplo, as seguradoras estão a descobrir contagens muito mais elevadas de óbitos do que os registos oficiais, disse Moultrie. Autópsias verbais, em que os pesquisadores entrevistam pessoas sobre as recentes mortes nas suas famílias e os estudos de mortalidade rápida que dependem de dados recolhidos por hospitais e consultórios médicos são dois outros métodos que os pesquisadores utilizam para resolver a situação da falta de dados oficiais.

“Os dados gerados pelo projecto são de grande importância para produzir comprovativos sobre a magnitude e a direcção das tendências de mortalidade e, desta forma, orientam os ministérios de saúde para a tomada de decisões baseadas em comprovativos assim como para instituir intervenções direccionadas a alvos específicos,” disse o Dr. Ben Masiira, que lidera os estudos de mortalidade rápida na Rede Africana de Epidemiologia de Campo em Burkina Faso, Gana, Libéria, Serra Leoa e Togo.

Apesar dos estudos que demonstram a contagem oficial das mortes por COVID-19 não estarem alinhados com as estimativas das mortes em excesso, Dr. John Nkengasong, director do Centro Africano de Controlo e Prevenção de Doenças, continua céptico quanto aos números das mortes em excesso.

“Eu não acredito que tenhamos números significativamente elevados de mortes em excesso em África,” disse Nkengasong durante uma recente conferência de imprensa quando questionado sobre o assunto.

Nenhuma contagem é perfeita, acrescentou, mas contestou a ideia de que as reais mortes possam triplicar o número que está a ser anunciado.

“As mortes em África são vistas com muita seriedade,” acrescentou. “Se houver uma morte na minha aldeia, nos Camarões, eu saberei, e ponto final.”

Moultrie afirma que depender muito dos dados oficiais — tipicamente derivados de óbitos decorridos em unidades hospitalares — desconsidera o número mais abrangente de mortes pela pandemia.

“Os comprovativos são comoventes,” disse. “Existem mortes em excesso que são muito maiores, e estamos a ver isso a acontecer de várias formas.”

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